Preparação
- Antes de tudo um aviso: esses frangos de supermercados e açougues
- não se prestam para este tipo de receita. São muitos tenros e se
- desmancham com qualquer fervura. Para este prato, procure uma
- galinha velha, experiente e graxuda. Se já estiver morta e limpa,
- não tem problema. Viva, maneie das patas, bem apertado. Depois,
- maniete-lhe a cabeça com o dedão mata-piolho cravado no gogo (dela
- lá). Ai, faca de conta que vai dar manivela num "Ford" de bigode:
- arrodeie com pulso e braço firme até sentir que desnucou a bruta.
- Largue, que ela vai sair estrebuchando e corcoveando como
- chimangos e maragatos degolados nos velhos entreveros. Depois se
- acalma, morta. Neste ponto já deve ter uma chaleira de água
- fervendo. Desmaneie, ponha a infeliz numa bacia ou gamela e
- despeje água quente por cima. As penas se afrouxam. Depene bem,
- arrancando com as mãos os manojos de penas. A penugem que sobra
- tira-se, passando a depenada por uma chama qualquer, até de jornal
- velho, operação que se chama "sapecar". Lave a penosa tirando os
- pêlos queimados. Agora, mão na faca. Vamos começar pela sambiquira
- ou sambiqueira (titela, uropígio da galinha): tira-se aquela parte
- saliente, bem no meio da sambica, uma espécie de carne esponjosa,
- amarela e amarga. Agora, abre-se pelo pescoço, em baixo do bico,
- para tirar a tripa da goela, puxando com os dedos até rebentar.
- Corta-se fora a cabeça. Desconjuntando-se as pernas, querendo
- aproveita-las para alguma canja posterior, queima-se as unhas para
- "desunhar", coisa que se faz também torcendo e puxando com os
- dedos. Depois, abre-se a galinha de duas maneiras: pelas costas ou
- pela barriga. Tira-se a buchada, separando-se os miúdos: moela,
- fígado, coração, que serão usados na própria galinhada ou numa
- canja aparte. Alguns comem também os bofes (pulmões). O tripedo
- joga-se para os gatos e cachorros. A moela tem que ser batida com
- a faca de plancha, dos dois lados. Depois aberta para retirar os
- grãos de terra e areia juntamente com a pele que a reveste por
- dentro. Feito isso desmembra-se a vitima, coisa fácil. O peito
- parte-se em dois, num talho atravessado, se preciso batendo com um
- martelo no lombo d faca. Concluída esta gastrônomo-cirurgia,
- mergulharemos as partes num vinalho guapo, em recipiente tampado
- para que a penosa e a fracionada anatomia se impregne de aroma
- peculiar dessa alquimia culinária. E assim deve ficar por uma
- noite, se possível. De vez em quando vire os pedaços, garfeie-os
- para que o vinadalho penetre bem, e repita quantas vezes puder. No
- outro dia é simples: a hora aprazada, panela com gordura quente.
- Coloque os pedaços sem o vinadalho. Frite um pouco. Despeje uma
- parcela do vinadalho. Repita este ritual até sentir que a galinha
- vai amaciar. Ai ponha o arroz, água fervendo, prove o sal, e o
- resto é sabido para obter um arroz solto ou molhado.